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Depois da limpeza

A Bombril passou os últimos anos se livrando de dívidas e diretores que quase arruinaram a empresa. Agora, pode olhar novamente para o futuro. Mas o novo presidente, um jovem executivo que trocou o ator Carlos Moreno por garotas-propaganda, terá mil e um desafios

 

É o maior desafio da minha vida. E eu não tenho o direito de errar. Não posso errar.” Parece natural que Marcos Scaldelai sinta uma responsabilidade nas costas. Até agora, sua carreira foi aquilo que se costuma chamar de meteórica. Formado em publicidade, começou na consultoria Nielsen e chegou ao primeiro escalão em empresas como General Mills e Bertin. Em 2010, foi contratado pela Bombril para ser diretor de marketing.

No ano seguinte, assumiu a área comercial e logo era visto pelo conselho como uma pessoa-chave na companhia. Ainda assim, ficou surpreso com sua última promoção. No dia 18 de setembro, com apenas 36 anos, o executivo passou para a cadeira de presidente da empresa. A dona de uma das marcas mais tradicionais do país tem 3 mil funcionários, vendas anuais de R$ 1,3 bilhão e é, como se sabe, um raríssimo caso de produto que virou sinônimo de categoria – mas também um negócio que, nos últimos anos, lutou para sanar dívidas astronômicas e recuperar a confiança do mercado varejista. Agora, com a maior parte dos problemas resolvidos, pela primeira vez em muito tempo a Bombril tem a chance de olhar para a frente. Scaldelai pega a companhia quando ela, enfim, traça um plano estratégico: vai modernizar uma linha de produção defasada e desenha projetos para uma nova fábrica.

Na sala que acaba de ocupar, ele nem terminou de arrumar seus pertences pessoais: um painel de camurça com fotos da família, alguns troféus de prêmios corporativos e um grande pôster da campanha Mulheres Evoluídas, lançada pela Bombril no início de 2011. “Essa ação é minha vida na empresa, minha cara aqui dentro”, diz.

Fizemos uma limpeza, todos os dirigentes foram para a rua. Era uma roubalheira, da portaria à presidência”, diz Ronaldo, o dono

Sim, foi Scaldelai que decidiu dar um tempo nos comerciais com o ator Carlos Moreno e colocar na telinha moças como Dani Calabresa e Marisa Orth para intimar maridões a ajudar nos serviços domésticos. Uma aposta e tanto. A ideia era rejuvenescer a marca, falar diretamente com a nova geração de brasileiras, mostrar a elas o resto do portfólio da Bombril – a empresa acreditava que Moreno estava muito vinculado ao produto lã de aço. Mas quase saiu pela culatra. “Foi a primeira vez que homens pediram para tirar uma campanha do ar. E foram 400 homens”, diz ele. “Eles reclamavam: ‘eu trabalho o dia inteiro, chego em casa e tenho de lavar louça?’. Até carta de pastor evangélico recebi, falando que ia detonar a Bombril nos cultos, porque a marca estava pondo em risco a família brasileira. Pensei: quer saber? Isso é sinônimo de sucesso”, conta. Foram mais de 28 milhões de comentários em redes sociais nos dois meses de campanha. E, no termômetro da internet, ele percebeu que as mulheres estavam defendendo a Bombril. Elas tinham ficado do lado da marca. “Aí a presidência me bancou. E tudo isso com meu filho para nascer. Imagina o estresse”, diz.

Polêmicas à parte, o plano deu resultado. Naquele ano de 2011, a Bombril aumentou em 35% o número de itens vendidos para cada varejista, o faturamento saltou 12% e a participação de mercado de marcas como Limpol, Pinho Bril e Mon Bijou passou a crescer. Scaldelai foi convidado a acumular a área comercial. Ao final de 2012, mais avanços. A linha de produtos seguiu em expansão (hoje são quase 500) e a receita subiu mais 16%, versus 3,5% do mercado, chegando a R$ 1,3 bilhão – ainda que a empresa tenha fechado as contas no prejuízo. No primeiro semestre deste ano, nova alta nas vendas, de 23,6%, também acima da média – mas a Bombril continua perdendo dinheiro. E quando se busca entender essa última linha do balanço, também se compreende o tamanho do desafio do novo presidente.

Marcos Scaldelai (Foto: Roberto Setton)

A confusão na Bombril começou em 1986, quando Ronaldo Sampaio Ferreira, um dos filhos do fundador, foi afastado do negócio pelos irmãos. Nos anos 90, eles venderam a empresa para um grupo italiano, comandado por Sergio Cragnotti. Além de pagar só uma parte, o empresário fez uma série de operações financeiras que prejudicaram a companhia. Os desmandos iam de lavagem de dinheiro à venda de ativos estratégicos, como o detergente ODD, que dava à Bombril a liderança no segmento. Ele chegou a obrigar a empresa a comprar uma firma italiana por US$ 380 milhões, apenas para vendê-la em seguida pelo mesmo valor, mas em prestações. Ou seja, usava a Bombril como um banco, para prejuízo dos minoritários – entre eles, BNDESPar, Previ e qualquer pessoa que tivesse ações da empresa, listada na BM&FBovespa desde 1984. Então houve o afastamento de Cragnotti, uma administração judicial – também desastrosa – e, em 2006, após 20 anos de batalha nos tribunais, “seu Ronaldo”, como é chamado pelos funcionários, retomou o controle do negócio.

Ali começava a luta para sanar as finanças. Naquele ano, a situação era tão ruim que a empresa precisava pagar juros de 5% ao mês para tomar dinheiro emprestado na mão de agiotas. “Os bancos até mudavam de calçada para passar na frente da Bombril”, afirma o próprio Ronaldo. Hoje, as coisas mudaram. Ela capta recursos no mercado a 1,2% ao mês. A dívida com impostos atrasados, que era de R$ 800 milhões, caiu para R$ 160 milhões e deve ser paga até 2017. “Estamos pagando, tudo certinho. Mas isso sugou R$ 600 milhões do caixa da empresa. Imagina a gente com esse dinheiro, o que poderia ter feito”, diz o proprietário.

Outro problema foi se livrar das pessoas que haviam sido postas na direção. Ronaldo precisou chamar um amigo de infância para a presidência, Antônio Marchioni, para ter alguém de confiança que fizesse o trabalho. “Fizemos uma limpeza, todos os antigos dirigentes foram postos na rua, a maioria era tudo bandido. Aquilo era uma roubalheira, desde a portaria até a presidência. Só tinha ladrões”, afirma. “Isso tudo é coisa do passado. A empresa está totalmente sanada nesse ponto”, diz. “Para mim, as pessoas que estão lá hoje são tão capazes e competentes quanto as que temos aqui, e temos respeito pela empresa”, diz o presidente de uma multinacional que concorre com a Bombril em algumas categorias.

 

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